Nunca É Somente Sobre Música 2025 #2
- Christian Bits

- 2 de mai.
- 8 min de leitura
A música não obedece fronteiras. A cultura em suas mais variadas formas, carrega dinâmica e transformação, nenhum muro, barreira física ou linha desenhada no mapa é suficiente para contê-la. As diferenças geográficas são pequenas diante das diferentes experiências de vida. Artistas podem ouvir as mesmas músicas e ainda assim, criar obras completamente distintas. Bandas no mundo inteiro incorporam suas vivências e produzem novas interpretações, uma relação que vai e volta. A troca cultural não se limita ao lugar e principalmente: Não é uma linha reta.

Snapped Ankles
Album: Hard Times Furious Dancing
“Ainda podemos manter um fio de beleza, forma e ritmo. Em um mundo tão desafiador como este, não é uma conquista pequena… Tempos difíceis requerem danças furiosas.” Alice Walker, Hard Times Require Furious Dancing (2010)
Inspirado nas palavras e forças da ativista e escritora Alice Walker, um álbum dançante, rock com sintetizadores, osciloscópio, bateria programada entre outros elementos eletrônicos, parece inusitado uma banda que performa ativismo ambiental, dentro da linguagem eletrônica. Esse estranhamento diz muito sobre nossa falta de imaginação. Por muito tempo, fomos levados a acreditar que progresso só vem com destruição, e que tecnologia é inimiga da natureza. Vamos atravessar alguns momentos do álbum, abrimos com: Pay the Rent: “Desligue o gás! Como vamos pagar o aluguel?” Drama localizado em países dependentes do aquecimento a gás, caso pareça distante, fique atento, companhias estrangeiras em busca de maximização de lucro extraem recursos em outros países, causando impactos sociais e ambientais, não falta exemplos devastadores no Brasil. A faixa Personal Responsibilities, argumenta que sempre somos pessoalmente responsabilizados, por algo que não se aplica a grandes empresas. Em Smart World questiona: se vivemos em um mundo “inteligente”, onde foi parar a humanidade? Closely Observed, fecha o álbum, é descrito uma fuga desesperada e cidades vazias, um alerta sobre a migração causada pela crise climática. Frente a assuntos alarmantes, Snapped Ankles decide alterar as sintonias dos equipamentos, em busca de agitar tudo em sua volta, para dançarmos juntos. A dança sempre acompanhou a humanidade em todos os períodos, em todas as culturas. Manter nem que seja um único fio de beleza, é a maneira de acreditarmos em um futuro com mais batidas e ritmos. Seguimos dançando furiosamente.

Sandy Dish
Single: Push the Button
“Aperte o botão se você souber onde está”
Assunto raramente tratado com a devida naturalidade, causando ainda mais medo e desespero se for feminino, O Prazer. Sandy Dish, com seu som garage punk, segue em sua linha falando de relações e sexo, dentro de um tom jocoso quase de piada. Esse formato bem humorado pode fazer dos ofendidos alvo da chacota, só servido de mais diversão para a banda, que pouco se preocupa com reações. A capa explícita do single circulando tranquilamente internet a dentro, com o clássico selo de Parental Advisory (ou "Aviso aos Pais") criado por motivações questionáveis, acabou mundialmente conhecido não só pela ineficiente, mas por impulsionar as vendas de discos, selo que hoje só confirma: A provocação nunca para.

Transmissão Beta
EP: Anarkia no Mercosul
Novos artistas devem ser fomentados. As leis existentes, são ajudas pontuais válidas, porém dentro de um contexto maior são insuficientes, falta um ciclo mínimo de incentivo, manutenção e divulgação. Em paralelo, a ignorância sobre cultura, é utilizada contra esse avanço, sendo necessário uma percepção real da questão. Se você ou seu grupo é dedicado, buscar apoios é justo.

A banda Transmissão Beta de Porto Alegre, utilizando a Lei Paulo Gustavo, produziu o EP: Anarkia no Mercosul, em conjunto com videoclipes para as 3 faixas. A vocalista Ana Plá é difícil de ser confundida, sua rouquidão é bem característica, nem tão grave, nem tão rasgada, a banda na sonoridade possui referências do rock internacional principalmente da década de 90. Fica em destaque a faixa STOP (você tem que parar) discutindo vicio, partindo da ironia, coloca o ponto de vista do dependente. Fica claro, objeto de vício e causa não necessariamente tem relação, saber que algo é prejudicial não é suficiente, sem entender o fator de gatilho. Mais um assunto social que dentro de um contexto maior, o desconhecimento aumenta as dificuldades.

Chunkans
Videoclipe: Verano
No interior de Córdoba, na Argentina, o verão está terminando. Quando se é jovem, mudanças ao nosso redor podem ter significados intensos, assim como pode ser intenso um som de energia juvenil, como o hardcore. Chunkans é formada pelos jovens irmãos, Julian Pautasso, ainda em idade escolar na bateria, e Mateo Pautasso, saindo da adolescência na voz e guitarra. Para a banda a energia do hardcore é agora, o verão é agora. A criação musical sincera guarda o espírito daquele instante. No próximo verão os dois irmãos estarão em fases diferentes da vida, criatividade e vida sofrem o impacto das transformações, o futuro é incerto. Permanece o registro, com a possibilidade de recordar aquele último verão e gritar: "ESTÁ TERMINANDO!"

SKLOSS
Álbum: Pattern Speaks
Tocar em Duo é algo consolidado, ainda assim chama a nossa atenção, fica ali a sensação de profunda sintonia, muitas histórias de duplas tem início ocasional ao acender uma ideia compartilhada, alimentando a mística da coisa. A pandemia de covid-19, um evento de proporções nada ocasionais, entrou em choque com o trabalho de artistas no mundo inteiro. Temos então um casal inquieto, Karen Skloss, uma cineasta, com passagem pela banda Moving Panoramas, e Sandy Carson integrante da banda Iglomat, ex-profissional de BMX e diretor de fotografia. Morando próximo à uma floresta emergida em silêncio no auge do período pandêmico, com seus equipamentos musicais parados, a resposta não podia ser outra, além de tocar alto. Tirar proveito do vazio, com espaços na música, caracteriza muitas duplas. SKLOSS nasce em oposição ao silêncio, para soar de forma incessante. Sandy usa peso, as notas preenchem o espaço sem pressa em seu devido tempo. Karen marca força na bateria, as batidas ecoam, sua voz é suave vindo do fundo em camada ambiente, empréstimo do shoegaze. Construindo psicodelia em clima etéreo. Pattern Speaks é o resultado de muitas jams cercadas de delay e reverberação, a reação de uma conexão amplificada pelo barulho.

The Sinks
Single: Siga o Sinal
Power trio liderado por Anderson Foca, figura conhecida da cena musical de Natal e responsável por iniciativas importantes na cidade. Um de seus feitos mais notórios é a criação do Festival DoSol. Só com a banda The Sinks, já são duas décadas de estrada. Em determinado momento, a banda decidiu compor um repertório em português, do seu próprio jeito, com seu próprio sotaque. Isso nos permite identificá-la como uma banda nordestina. O que antes poderia ser visto como um impedimento, hoje é melhor visto como parte da identidade. Cada vez mais, vemos artistas de gêneros alternativos cantando no próprio idioma mundo afora, ocupando espaços famintos por novidades. No cenário ideal, a escolha de cantar em outro idioma deveria ser motivada por razões artísticas, é esse tipo de cenário que o próprio Foca se dedica a construir. The Sinks retoma suas gravações com o single Siga o Sinal, uma faixa lenta para os padrões da banda. Aqui, se um medo persiste, devemos seguir o sinal, que pode ser um instinto ou, como prefiro acreditar, algum indício de oportunidade. O single inclui ainda a faixa Casta, que podemos chamar de lado B. Com um gosto de grunge no riff de guitarra e um teor político mais direto, a música aborda a divisão de classes ao retratar uma casta que custa caro. Pessoalmente, acho que Casta merece destaque, mas é bom considerar que isso pode ser apenas uma mania minha.

Gloin
Album: All of your anger is actually shame
(and I bet that makes you angry)
“Toda a sua raiva é na verdade vergonha (e aposto que isso te deixa com raiva)” É nesse excelente título, que o álbum define seu tom, funcionando como uma chave para todo o resto. Pressões do mundo do trabalho, surtos de controle, indo da realidade a pesadelos com horror corporal, passando por ironia e angústia. Os temas e sentimentos estão presentes, as faixas não são tão óbvias em separado, quanto em conjunto. A banda que poderia se enquadrar em algum espectro do post-punk, avança para um som mais ousado nesse álbum, adiciona elementos do industrial, mantendo ênfase nos orgânicos. Quando o som se comunica com as ideias, um afeta o outro, aumentando a expressividade. No contexto das músicas, o vocalista principal parece preso entre autoconsciência e delírio. Em tempos de saúde mental estraçalhada e colada com fita adesiva, a insanidade não são repentinas mudanças de humor, nem mesmo mudanças no estado psicológico, insanidade é a total aceitação de uma estrutura que nos adoece, enquanto fingimos que nada está acontecendo. Na musica controlfreak69: “Eu não estou com medo, hoje foi um bom dia, até fui para o trabalho”

Mekons
Single: War Economy
Banda da primeira onda do punk, com um descompromisso histórico, chega ativa a 2025 com muito a dizer, contra a financeirização, a ganância e uma violência coercitiva que nos arrasta para o passado e impede o futuro. Cheios de histórias inusitadas, muitas vezes fruto de seu forte humor inglês e caráter político, os Mekons, em 1984, se posicionaram a favor da greve dos mineiros, revitalizar o grupo fez sentido. Ao longo dos anos, a formação dos integrantes foi irregular, isso quando os próprios não trocavam de instrumento entre si. Uma bagunça impressionante, e ainda assim coerente. Qual o segredo? Antes de tudo, os Mekons nasceram de um coletivo de artistas fiel ao "faça você mesmo", pessoas em trânsito constante pela cena artística por necessidade, e não por resultados. War Economy, single do álbum de inéditas Horror, com seus curiosos gritos ao fundo, é a faixa mais rock, contrastando com as outras, mais diversas em estilo. Fica evidente a única constante nessa trajetória: os Mekons estão do lado certo da história.

Arandu Arakuaa
Videoclipe: Sekwa
Banda de metal indígena, carrega uma visão multicultural brasileira inédita. Zândhio Huku foi criado no Tocantins, mantendo relação com os povos Xerente e Krahô. Além disso, teve contato com outras culturas regionais, incluindo tradições quilombolas e a música do Norte e Nordeste, com as quais desenvolveu grande afinidade. O heavy metal entrou em sua vida na adolescência, reforçando seu gosto por música e instrumentos musicais.
Após se formar na área da Educação e passar por algumas bandas, Zândhio criou o projeto Arandu Arakuaa, que concentra seu conhecimento e lado artístico. O principal foco é evidenciar a cultura dos povos indígenas do Brasil, manifestação indissociável da preservação do meio ambiente. Combinando instrumentos indígenas e outros tradicionais, como a viola caipira, dentro de uma sonoridade pesada, o grupo destaca letras escritas em idiomas indígenas como tupi, xerente e xavante, transmitindo uma forma de pensamento profundamente ligada à oralidade. Trabalhos como esse são relevantes: têm força para despertar interesse e inspirar novos projetos de valorização cultural. A forma mais poderosa de preservar uma cultura é trazê-la para o nosso cotidiano, participando e criando mais cultura. Arandu Arakuaa, em tupi-guarani, significa "saber dos ciclos dos céus" ou "sabedoria do cosmos" um nome muito bem escolhido.

nabeel نبيل
single: khatil خاتل
extra: videoclipe Lazim Alshams لازم الشمس
No início da chamada Guerra do Golfo em 1991, Uma família iraquiana temendo a segurança de seus filhos se muda para os Estados Unidos, Yasir Razak era um bebê na época. Longe de sua terra natal, a cultura se mantém em sua família, durante sua formação participa da cultura local, como qualquer outro jovem. O tempo passa, Yasir vive entre dois mundos, tensões mundiais, se misturam aos seus próprios conflitos. Cada vez mais atraído pelas histórias de suas origens, enquanto convivia no meio da cena musical independente da Virgínia. Como harmonizar tantos sentimentos? Talvez montar uma banda em certo ponto seja inevitável, o que impressiona é a construção, nabeel se encontra entre sons de indie, grunge e slowcore, letras baseadas em estilos de poesia não-ocidental, capas e vídeos recheados com imagens antigas da família, boa parte registradas ainda no Iraque, reforçando o clima diaspórico. Cantar em árabe no dialeto iraquiano, não é escolha estética, é um firme posicionamento, pela própria herança, preservação e reflexões.
"... pensar como seria a continuidade e que tipo de futuro, cena artística e cultural poderiam ter florescido em um lugar como o Iraque se não houvesse interrupções tão violentas na cultura e na história.” Yasir Razak (em declaração para Crack Magazine)
A banda nabeel frequentemente defende e participa de eventos em favor da Palestina. Sua busca pela história então continua, agora como participante, tocando e criando uma nova música que representa as suas origens, a sua vida e percepções de mundo, provando que a música não obedece fronteiras.
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